“Pode
 invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça 
dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela
 manhã com ótimo humor, mas permita que eu escove os dentes primeiro. 
Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre a minha 
nocauteante beleza. Tenha vida própria, me faça sentir saudades, conte 
umas coisas que me façam rir, mas não conte piadas, nem seja 
preconceituoso, não perca tempo cultivando este tipo de herança de seus 
pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me 
um porto, um albergue da juventude.
Eu
 saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que
 digo e nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. 
Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não 
me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada (então fique 
comigo quando eu chorar, combinado?). 
Seja
 mais forte que eu e menos altruísta. Não se vista tão bem, gosto de 
camisas pra fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de 
pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto, boca, 
cabelo, os pelos no peito e um joelho esfolado. Você tem que se esfolar 
às vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, 
releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco 
caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente 
triste. Não seja escravo da televisão, nem xiíta contra. Nem escravo 
meu, nem filho meu, nem meu pai. 
Invente
 um papel pra você que ainda não tenha sido preenchido e o inverta às 
vezes, me enlouqueça uma vez por mês mas me faça uma louca boa, uma 
louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, 
boca. Goste de música.  Deixe eu dirigir  seu 
carro aquele carro que você  adora. Quero ver você nervoso, inquieto, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Me conte seus segredos, me faça massagem nas costas. Não fume, beba,
 chore, eleja algumas contravenções, me rapte. Se nada disso funcionar, experimente me amar.”
(Martha Medeiros - Cartas extraviadas e outros poemas)

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